Thursday, May 31, 2007

Ó professora, mas por causa de um azar fico prejudicado

Dizia-me hoje um aluno. Eu ainda lhe dei o benefício da dúvida e fui à carderneta confirmar qual tinha sido o azar dele. Pois é, tinha copiado o trabalho de outro, tinha tido zero nessa avaliação e agora, somando as avaliações feitas, não tem dez, apenas nota para ir a exame. Realmente, há cada azar nesta vida...

Tuesday, May 29, 2007

O pássaro da alma

A São, que é uma educadora maravilhosa, ensinou à R. e aos meninos da infantil o que é o pássaro da alma - é ele que abre e fecha as gavetas que temos em nós: a gaveta da raiva, do feliz, do triste, do chorar. Claro que já acrescentámos uma gaveta que só se abre em casa, que é a do disparate...

Tuesday, May 22, 2007

Sete anos de pastor Jacob servia, já dizia o Camões

O sete é um número místico, em várias religiões e culturas. Temos os sete anões, as sete maravilhas do mundo, as sete trombetas do Apocalipse, os sete dias da semana... enfim, todo um conjunto de referências mais ou menos profundas e espirituais.

Temos também a famosa crise dos sete anos, que parece que afecta matrimónios, amizades e, segundo descobri esta semana, electrodomésticos. Pois, é verdade, faço este ano sete anos de casada e, por consequência, sete anos que viemos para aqui morar, fizemos obras e comprámos os tarecos. E, se o casamento está fresco e se recomenda, o mesmo não posso dizer dos electrodomésticos. Numa semana, a televisão e o ferro de engomar pereceram e o micro-ondas, a máquina da roupa e a da louça estão bastante engripados.

Ninguém me tira da ideia que deve haver uma forte relação entre as crises dos sete anos dos electrodomésticos e as matrimoniais. O pessoal anda feiote, com a roupa enrodilhada (e lavada à mão...), nervoso de tomar banho de água fria, porque o esquentador pifou... e, sem televisão, começa a ter de se conversar sobre alguma coisa. Daqui à discussão permanente deve ser um passo pequeno...

Enfim, o que me vale é a televisão com vinte anos dos meus avós que estava no sótão. Mas não tem comando e só apanha os canais que lhe apetece!

Tuesday, May 15, 2007

Verão (que) é mesmo assim

Estamos todos a suspirar pelo Verão, pelas férias (a silly season, como lhe chamam agora, que podemos traduzir por "estação pateta"...), pelo solinho da praia, enfim, por todas aqueles momentos sem horários nem chefes, que sabem a gelado e a estar com a família. Claro que a nossa memória apaga, convenientemente, os dias de quarenta graus, em que só se pode sair com os miúdos depois das seis da tarde, as praias mais ou menos superlotadas, as constipações de Verão...

Para aqueles que partilham connosco as idas a São Martinho, esquecemos também as hipóteses de, pelo menos, um mês de nevoeiro, a Rua dos Cafés com gente a mais, os preços que sobem na Praça e, em geral, a invasão anual de banhistas.

Pois é, embora já não seja bem como era dantes, ainda temos bem presente a distinção (que cheguei a ver escrita num cartaz de Verão) entre locais, banhistas e turistas. Os últimos são meia dúzia de estrangeiros que por lá vão aparecendo, sobretudo em Maio e Junho. Os locais somos nós, pois então! O pessoal da terra, ou com raízes fortes nela. Os banhistas... como definir um banhista? Tem de ter vários apelidos, de preferência sonantes, tem de ter pelo menos três filhos, chamar à praia Salgados (em vez de Salgado) vir (preferencialmente) de Santarém, ir ao baile da chita, usar mocassins (ou sabrinas) e ter um médico na família. Se não tiver uma (ou todas...) as condições, tem - pelo menos durante o mês de Agosto - de agir como se as tivesse.

Tempos houve em que os banhistas me irritavam profundamente. Nem punha os pés no lado da baía por onde eles andam e todos aqueles tios e sobrinhos me buliam com os nervos. Hoje, já convivo com eles com mais naturalidade, mas há uma coisa que continua a revoltar-me: a forma como todas aquelas pessoas chama sua à minha terra durante umas semanas, mas são incapazes de fazer alguma coisa por ela - mesmo quando a sua instrução ou posição política o permitiriam.

Há excepções, é certo, mas, para a maioria, São Martinho não passa de um cenário para a sua "estação pateta". E a patetice, às vezes, não tem limites. Reproduzo aqui um diálogo que ouvi uma vez. Chegou à janela uma mãe, a falar para dois miúdos que andavam de bicicleta:

- Zé Maria, o seu pai não é médico?
- É.
- É que queria falar com ele para ver o pé da Marianinha, que está inchadíssimo...
Diz o outro miúdo:
- O pai dele é médico, mas é dentista!

Friday, May 11, 2007

Eu que me comovo por tudo e por nada*

Os dias mais felizes da minha vida, foram (sem ordem especial) o do meu casamento, aqueles em que dei à luz a R. e o A. e o do nascimento da J. Tenho a imensa sorte de ter tido sempre uma vida muito feliz, rodeada de muitas pessoas maravilhosas, que me acarinham e me incentivam. Esses dias foram momentos de mudança de algo que já era bom para algo ainda melhor.

Mas hoje, porque sim, porque temos uma sintonia própria e indestrutível que nos une, dedico este post à J. Quando ela nasceu, ficou tudo como estava, mas houve uma nova ternura...


Quando eu nasci - Sebastião da Gama

Quando eu nasci,
Ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
Nem o Sol escureceu,
Nem houve Estrelas a mais...
Somente,
Esquecida das dores,
A minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,

Não houve nada de novo
Senão eu.
As nuvens não se espantaram,
Não enlouqueceu ninguém...
P'ra que o dia fosse enorme,

Bastava
Toda a ternura que olhava
Nos olhos de minha Mãe...


*titulo de uma música do Vitorino, da autoria de António Lobo Antunes

Nem o chapéu, nem a bóina...

Grande concerto, o do Vitorino a que assisti hoje. O prazer foi redobrado, porque não tinha pensado ir e foi decidido à última hora. Entre as maravilhosas músicas com letra do Lobo Antunes, as mais tradicionais, a Leitaria Garret e as músicas do Zeca, não sei qual foi a melhor. O "Menina estás à janela" foi o mais bonito que ouvi até hoje. E o ambiente foi familiar, com o Vitorino a conversar muito connosco, o que não é costume. Soube mesmo bem!

Thursday, May 10, 2007

Um alentejano não tira o chapéu a qualquer um

Lembro-me muitas vezes desta frase, que me disseram há tempos, quando me deparo com aquelas situações do "Quem é quem?", em que parece que o nome de família é mais importante do que as próprias pessoas. Para mim, isto é uma herança da nossa ruralidade, do facto de vivermos num país pequeno, que só agora começa a ser mais diverso e multi-étnico, onde o indivíduo ainda não vale só por si, tem também um pedigree que o promove ou despromove.

Estes momentos trazem-me sempre à memória (e à saudade) o meu avô. Se havia palavra que o podia descrever era, sem dúvida, "dignidade". Para ele, cada um valia pela sua moral e pela sua conduta e não pelo nome ou fama que carregava. E essa foi uma lição que nos ensinou a todos. E, mesmo a propósito, aqui fica uma história que costumava contar:

"Uma vez, no Alentejo, estava um homem sentado. Chegou outro homem, muito senhor, que lhe perguntou:
-Como é que você se chama?
-Zé Manel. E V. Exa.?
-José Maria Bernardes de Vasconcelos Souto da Cunha Gonçalves.
E o homem respondeu-lhe:
-V. Exa. desculpe, mas V. Exa. tem cá um filho da p*** dum nome!"

Thursday, May 3, 2007

Tradição é ou não o que era?

Hoje, no metro, assisti a uma conversa entre duas senhoras. Veio depois uma terceira, que as interpelou. E sobre quê? Sobre ter ou não ter um cordão de ouro. Já há muito tempo que não ouvia uma conversa destas e o que me surpreendeu foi o facto de as senhoras serem relativamente novas. Fiquei a saber que uma delas tinha um cordão de três voltas (suponho que devem ser os melhores), herdado da bisavó, mas que "Não se pode usar hoje em dia", por isso o levou para a Terra. Também parece que é hábito quem herda cordões mandar parti-los e dividir pelos filhos, fazendo fios para cada um deles. Mas o argumento mais importante era que, mesmo nunca usando um cordão de ouro, era bom e importante tê-lo.

Eu fiquei a pensar nestes vestígios da sociedade rural tradicional com os quais ainda vivemos e como, para muitas pessoas, estas são ainda coisas importantes (mesmo que o ouro já não seja algo que se pode vender com lucro, quando se precisa de dinheiro). E no peso que a tradição e as heranças familiares ainda têm entre nós. É engraçado como, em algumas coisas, ainda conta mais (para o bem e para o mal) o que a família nos lega do que aquilo que conseguimos por nós próprios. Isto está a mudar, é certo. Mas um cordão de ouro, será sempre um cordão de ouro. De três voltas, de preferência.

Mães e madrastas

Já sabemos que educar os próprios filhos é muito mais complicado do que pensávamos quando só víamos os dos outros. Há que ter muita, muita paciência, em especial naqueles dias em que eles parecem ter como objectivo principal testá-la... Ontem foi um desses dias: a R., durante o banho, esticou a corda até mais não poder. Molhou-me, molhou o chão, disparatou, em suma. Eu decidi que não ia ralhar nem levantar a voz. Deixei-a fazer todos os disparates até ao fim, vesti-a e depois dei-lhe uma toalha e mandei-a limpar o chão da casa de banho.

A surpresa foi total, mas lá foi ela (e até com muito jeito, diga-se). Mas, claro, não tardou a argumentação: "- Mas eu não gosto disto... isto é coisa de grandes. Parece a Gata Borralheira!" Claro que, nesta altura, já eu ria às escondidas cá fora. Acabou a limpeza, mas ainda a dizer: "- É como a Gata Borralheira, mas ao contrário. Lá, foi a madrasta que entornou o balde da água para ela limpar!"

Tuesday, May 1, 2007

Onde o tempo chega para tudo

A serra e a carqueja (Fraguinha, 2007)
Já a vista me fraqueja - Sérgio Godinho

"Já a vista me fraqueja
Quem lá vem, que não o veja
não faz mal, que já vi tanto
que a morte me não espanto
que me venha visitar
já a flor se faz carqueja,
já o caixão se faz ao mar

Já a vista me fraqueja
É ainda rubra a cereja
são ainda côr do passado
meus cabelos desbotados
é ainda negro o penar?
Já a flor se faz carqueja
já o caixão se faz ao mar

Já a vista me fraqueja
Seja o amor cego ou não seja
tive muitos vida fora
sei que já não tenho agora
senão amores de contar
já a flor se faz carqueja,
já o caixão se faz ao mar

Já a vista me fraqueja
Ver a morte não me aleija
o que aleija é ver a vida
dum irmão andar metida
num viver sem avançar
Já a flor se faz carqueja
já o caixão se faz ao mar"

(dedicado, sem nostalgias, à família B.)