Tuesday, March 27, 2007

Os bois pelos nomes

Disse-me a R.: "Sabes como é que se chama a minha ginástica lá na escola? Educação Física!"

A propósito de "Portugal um retrato social"

Lembro-me sempre de uma história que a minha avó conta, de uma mulher que ela conheceu, quando era miúda, em Seia. Tinha muitos filhos, estavam todos sentados no chão na cozinha, e a minha avó perguntou-lhe:
"- O que é que você vai fazer para o almoço?"
" - Arroz."
" - Arroz com quê?"
" - Arroz com quê?! Com nada!"

Pois é, mas parece que, afinal, antigamente é que era bom...

Não se deve ouvir a conversa alheia...

Desde que as aulas começaram, tenho almoçado num restaurante pequeno, com comida portuguesa, que fica lá perto. Um dos fregueses habituais é um senhor que eu conhecia de vista, já há alguns anos, cego, que costuma pedir no Metro do Rossio. Esta semana, estava a almoçar sozinha, e fui ouvindo a sua historia, que ele contava a outro cliente da casa.

Fiquei, assim, a saber que ele recebe uma pensão do Estado, de 287€. Paga, depois, 250€ pelo quarto onde vive. Segundo as suas palavras, fica com 37€ para comer por mês. O restante, suponho, consegue pedindo no Metro. Ora, estava ele a contar que tinha sido contactado por uma senhora da Segurança Social, para passar a ir a uma instituição qualquer almoçar e jantar todos os dias. Ele perguntou se podia continuar a pedir, ao que ela respondeu que não. Sendo assim, não aceitou, porque "perdia a sua liberdade". "Prefiro passar fome", concluiu.

E eu fiquei sem saber o que pensar. Devemos ficar contentes por a Segurança Social querer tomar assim conta das pessoas? Mas porque é que não lhe arranjam antes um emprego? Ou será que pedir no Metro já é um emprego? Agora, parece-me bem triste que se tenha de escolher entre passar fome e ser livre, ainda que essa liberdade dependa da caridade alheia. Devo dizer, contudo, que o dito senhor não é uma criatura miserável nem amargurada, e falava da situação como qualquer pesssoa fala das suas angústias em relação ao emprego.

Serviço público como deve ser

Tomei hoje a minha meia de leite matinal num café onde havia um telefone público daqueles azuis. E não é que por cima estava uma folha com todos os números de telefone de emergência possíveis de imaginar (desde o centro anti-venenos à assistência 24h da PT)?

Friday, March 23, 2007

Afinal, os bons são mais do que os maus

Li uma história fantástica esta semana. Uma bookcrosser portuguesa tinha enviado um livro seu para circular em empréstimo. O livro foi parar ao Brasil e nunca mais deu sinal de vida. Não é que agora, passado muitos meses, ela o recebeu em casa, porque um brasileiro encontrou o livro num alfarrabista, leu no seu interior a etiqueta BC, viu que era de uma colecção particular, comprou-o e foi à procura da dona para o devolver?

Fez-me lembrar aquela vez em que o pai da P. estava em casa a receber vários telefonemas de um senhor que estava fora do país e queria contactar a família, para dizer que tinha chegado bem, e não conseguia, porque havia uma confusão de linhas telefónicas e a chamada ia sempre parar àquele número. Acabaram por combinar que o pai da P. ficava com o número e contactava directamente a família o senhor. Curiosamente, anos mais tarde, viemos a descobrir que o tal senhor era o futuro cunhado da P...

Enfim, a vida está cheia de coincidências e de pequenas generosidades.

Monday, March 19, 2007

Boas notícias!

Alterei os settings do blogue e todos vocês podem agora fazer comentários sem estarem registados. Apareçam!

Livres para amar

"O que é ser livre?" perguntou-me hoje a R. "Meu Deus", pensei. Como é que eu explico a uma miúda de quatro anos o conceito de liberdade? Lá puxei da imaginação e fui dizendo que a liberdade é coisa mais importante do mundo, que é podermos fazer o que quisermos, desde que não façamos mal a ninguém e respeitemos os outros.

"- Eu não faço mal a niguém. E os maus?"
"- Os maus fazem coisas más com a liberdade, por isso prendemo-los, para lhes tirar o bem mais precioso. Sabias que temos muita sorte, porque há países onde não há liberdade? Não podemos falar nem gostar de quem queremos."

" - Olha, eu gosto muito de ti, por isso vou dar-te um abraço muito apertado!"

Juro que comecei a conversa um bocado a falar mais para mim, para ver se conseguia explicar-lhe, do que para ela. E acabei com um dos melhores momentos da minha vida...

Sunday, March 18, 2007

Viva a Avó Teresa e a coragem com que entrou nos noventa anos!

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão Ferreira

Wednesday, March 14, 2007

Linha do Oeste

A viagem de comboio de ida e volta a Guimarães foi feita num ambiente tão calmo e civilizado que quase me convenci de que estamos num daqueles países em que viajar de comboio para trabalhar e estudar é uma actividade comum. Dei comigo a pensar numa viagem que fiz com o meu primo P., há uns vinte anos, num Domingo à noite, num comboio carregado de "magalas", onde nem sequer havia lugar para nos sentarmos. E lá fizemos três horas de pé, no corredor entre os bancos, a ouvir as histórias do "meu primeiro", do Costa, do Silva e do Tavares. Claro que, hoje, todos os militares (que já são - felizmente - apenas os voluntários) vão de carro para o quartel, desdenhando o desconto que a CP lhes oferece. E eu, na nostalgia de chegar às onze da noite a Guimarães num comboio vazio, e na lembrança da óptima juventude que tive, quase me distraía e ia tendo saudades dessas viagens...

Wednesday, March 7, 2007

Cinco décadas para isto

Assisti, hoje, com genuína emoção a alguns momentos transmitidos pela RTP, no aniversário dos seus 50 anos. Realmente o país mudou, e mudou muito, neste meio século e a RTP é o nosso auxiliar de memória, com as imagens que captou. Em alguns momentos, como se diz agora, ela própria fez história. E como cinquenta anos abrangem a maior parte da vida (ou toda) daqueles que estão vivos hoje, quando vemos imagens do Zip-zip, do Mário Viegas, do Sousa Veloso ou do Vasco Granja, vemos também uma parte de nós mesmos e revisitamos boas memórias do nosso passado. É, pois, um momento de sorriso nos lábios. Que se me acabou quando vi o Cavaco, mais a sua Maria (de mala no bracito) a fazer a visita guiada às novas instalações, depois da benção do D. José Policarpo. Não sei porquê, mas a magia foi-se.

Sunday, March 4, 2007

A lengalenga que a fungagazita trouxe da escola

Eu tenho uma amiga, a sombra,
que anda comigo e não fala.
Por mais que puxe conversa,
sempre a marota se cala.

Logo que corro para o sol
estende-se a sombra no chão.
Pisam-na todos os pés,
e senta-se nela o cão.

Thursday, March 1, 2007

AS ÁRVORES E OS LIVROS

As árvores como os livros têm folhas
e margens lisas ou recortadas,
e capas (isto é copas) e capítulos
de flores e letras de oiro nas lombadas.

E são histórias de reis, histórias de fadas,
as mais fantásticas aventuras,
que se podem ler nas suas páginas,
no pecíolo, no limbo, nas nervuras.
As florestas são imensas bibliotecas,
e até há florestas especializadas,
com faias, bétulas e um letreiro
a dizer: «Floresta das zonas temperadas».

É evidente que não podes plantar
no teu quarto, plátanos ou azinheiras.
Para começar a construir uma biblioteca,
basta um vaso de sardinheiras.
Jorge Sousa Braga, Herbário, Lisboa, Assírio & Alvim, 1999

A malta era com ginja!

Mandaram-me uma imagem de um jogo de damas polaco, em que as peças eram copos de vodka, que se iam bebendo à medida que se perdiam (ou ganhavam?) peças. Ora isto é uma grande ideia para as festas de família, em vez dos tradicionais King, sueca ou Pictionary. Imagino que, no Natal, ao fim de três ou quatro joguitos, até ver a Música no Coração iria ser uma aventura fascinante, com um coro muito jeitoso de Von Traps à portuguesa a acompanhar.